Lifestyle

Entre copos e ideias, a coquetelaria refinada de Gabriel Bressane

Com olhar autoral e técnica apurada, bartender explora os sentidos e as narrativas da alta coquetelaria contemporânea

A alta coquetelaria deixou há tempos de ser apenas uma questão de receita e execução. Hoje, ela é expressão estética, manifesto cultural, ritual sensorial. É nesse território sofisticado, em que ingredientes revelam histórias e drinks evocam atmosferas, que Gabriel Bressane tem construído sua trajetória, com consistência, originalidade e um profundo respeito pela experiência de quem está do outro lado do balcão.

Formado na prática, Bressane começou como garçom no tradicional restaurante Ritz, onde permaneceu por mais de uma década até chegar à gerência, dominando tanto os bastidores da operação quanto a sutileza do serviço. Mas foi atrás do bar que descobriu sua vocação: mixologia como linguagem. Desde então, se consolidou como um nome promissor da coquetelaria brasileira, desenvolvendo cartas autorais, criando sua própria marca voltada a eventos de luxo e representando o país em competições de prestígio internacional.

Mais do que saber equilibrar acidez, dulçor e amargor, Bressane entende que excelência no copo exige também ambiente, ritmo, contexto, escuta. Seu trabalho busca tocar os sentidos, desde o aroma à memória, e responder aos desejos de um público cada vez mais sofisticado e atento. 

BNSIR: Como você começou na coquetelaria e como sua trajetória te levou a trabalhar com mixologia em um hotel como o Rosewood?

GB: Iniciei minha trajetória em 2013, como garçom no restaurante Ritz, enquanto cursava engenharia química. Foi lá que tive meu primeiro contato com o bar e, foi amor à primeira vista! A partir daí mergulhei de vez na coquetelaria: estudei, me aperfeiçoei e fui crescendo dentro da área. Durante os 11 anos em que estive no Ritz, passei por várias funções até chegar ao cargo de gerente de loja, o que me deu uma base sólida tanto em operação quanto em gestão e hospitalidade. Nesse processo, deixei a engenharia de lado para me dedicar integralmente ao mercado de Alimentos e Bebidas. Em paralelo, participei de eventos como o Lollapalooza Brasil e o World Class Global Finals e, no fim de 2021, criei minha própria marca de coquetelaria voltada para eventos de luxo. Todo esse caminho me levou até o Rosewood São Paulo em 2024, onde atuei como head de mixologia em um dos projetos mais marcantes da minha carreira até hoje.

BNSIR: Na sua visão, o que define uma coquetelaria de excelência? É a técnica? A experiência sensorial? A criatividade? O atendimento?

GB: Acho que é um pouco de tudo isso junto. Técnica, criatividade, experiência sensorial e atendimento têm igual importância e precisam andar lado a lado. É o equilíbrio entre esses fatores que garante uma experiência excelente para o cliente. Afinal, não adianta servir um drink incrível se o atendimento ou o ambiente não estiverem alinhados com a qualidade da bebida e vice-versa. Coquetelaria de excelência é sobre criar uma experiência completa e coerente, onde tudo conversa e faz sentido.

BNSIR: Quando você pensa em montar uma carta de coquetéis autoral, por onde começa? Ingredientes, história, conceito? Me explica como se dá esse processo criativo.

GB: Sempre que começo a desenvolver uma nova carta, o primeiro passo é colocar as ideias no papel, sem filtro. Faço uma espécie de brainstorm intuitivo: anoto tudo que me vem à cabeça sobre o conceito que quero explorar. Pode ser um tema visual, como formas ou cores; algo ligado à natureza, como ecossistemas e ingredientes locais; ou até referências culturais, históricas, sensoriais. Depois disso, começo a conectar esses elementos e entender que caminhos criativos eles abrem. É nesse processo que encontro o ponto de partida para construir o menu com coerência e identidade.

BNSIR: A alta coquetelaria está dialogando mais com ingredientes e narrativas brasileiras? Que ingredientes nacionais te inspiram hoje?

GB: Sim, com certeza! Hoje existe um movimento muito forte na coquetelaria em valorizar cada vez mais nossos ingredientes locais. O Brasil tem uma diversidade incrível de insumos, mas ainda enfrentamos desafios para acessar alguns deles aqui em São Paulo, principalmente por questões de logística e demanda. Por outro lado, essa busca crescente por ingredientes nacionais nos bares e restaurantes tem estimulado os produtores a ampliarem sua produção e também a trazerem novidades interessantes para o mercado. É um ciclo positivo que tende a crescer ainda mais daqui pra frente.
Gosto muito de uvaia, cupuaçu, goiaba, amburana, mel de jataí, jambu e pimenta de cheiro.

BNSIR: Recentemente vimos a moda do aperol spritz, do negroni e dos gim tônicas. Na sua opinião, qual é o próximo drink da vez?

GB: Com toda certeza, o Fitzgerald!

BNSIR: O que um drink pode dizer sobre o tempo em que vivemos? Você sente que há tendências culturais influenciando o universo dos coquetéis?

GB: Um drink consegue refletir muito sobre o nosso estilo de vida atual. Hoje, por exemplo, estamos vendo uma tendência clara por bebidas mais leves, com menor teor alcoólico ou até mesmo sem álcool. Isso mostra que existe uma consciência maior sobre bem-estar e saúde, além de uma busca por sabores autênticos, locais e frescos. Coquetéis feitos com ingredientes artesanais e regionais são uma forma de contar a história e valorizar a cultura de um lugar, o que faz bastante sentido para os tempos atuais.

BNSIR: A gente tem visto uma valorização do “quiet luxury” também nos bares, ou seja, menos ostentação, mais sofisticação sensorial. Como isso se traduz na coquetelaria?

GB: Isso aparece na coquetelaria de várias formas: no minimalismo das guarnições (ou até na ausência delas), no foco em sustentabilidade e aproveitamento total dos ingredientes, no uso de uma coparia mais elegante e refinada, e também no destaque para bebidas premium. Além disso, é uma tendência que prioriza drinks menores, com baixo teor alcoólico, justamente para valorizar ainda mais a qualidade e o sabor dos ingredientes. Tudo isso acompanhado de um atendimento cuidadoso, com atenção aos detalhes, e muitas vezes com experiências mais exclusivas e personalizadas. É uma elegância discreta, menos óbvia, que faz toda a diferença.

BNSIR: Em um bom bar, o drink faz parte da experiência. O que mais compõe esse ritual para você? Seria a música, o próprio copo, o serviço, a iluminação?

GB: Além do drink, vários outros elementos são essenciais para tornar a experiência completa. Na minha visão, um bom bar precisa estimular os cinco sentidos, conectando-se através de um serviço atencioso e autêntico. Isso inclui desde um ambiente agradável e bem cuidado visualmente, com drinks apresentados de maneira impecável, iluminação intimista, até uma trilha sonora envolvente, que se mistura com o burburinho das pessoas conversando e das coqueteleiras trabalhando, criando uma atmosfera única. Vale lembrar também do aroma dos drinks, já que boa parte do sabor vem do olfato, por isso caprichamos na finalização aromática. O tato aparece na qualidade dos copos e taças, texturas dos drinks, além do conforto dos assentos, e por fim, claro, o paladar, com bebidas e pratos saborosos e bem equilibrados. Tudo isso junto cria uma experiência memorável.

BNSIR: Como você enxerga o público que consome alta coquetelaria no Brasil hoje? O que ele busca e o que ainda falta?

GB: Hoje em dia o público tem muito mais acesso à informação por meio da mídia e das redes sociais, e isso aumentou bastante o interesse pela alta coquetelaria, especialmente após a pandemia. Percebo que muita gente chega aos bares buscando os drinks que ficaram famosos nas redes, seja por causa da apresentação ou pelo marketing envolvido. Só que nem sempre aquilo que viraliza reflete a realidade do dia a dia de um bar. Muitos coquetéis são feitos apenas para serem bonitos na foto (os famosos “instagramáveis”), mas nem sempre conseguem ser reproduzidos com qualidade na operação real, ou então acabam focando muito na estética e esquecendo o mais importante, que é a qualidade dos ingredientes e o sabor do drink. Acho que o público ainda precisa entender melhor essa diferença entre imagem e realidade.

BNSIR: Como equilibrar o respeito às receitas clássicas com a vontade de inovar e surpreender sem forçar a barra? Existe um limite ou uma ética criativa nesse processo?

GB: Para mim, a coquetelaria clássica sempre vai ser o ponto de partida das minhas criações. Normalmente começo escolhendo uma família clássica de drinks como base, como por exemplo o Sour, e então busco inovar e trazer autenticidade usando técnicas diferenciadas e ingredientes pouco óbvios. Claro que existem alguns limites nesse processo, como questões financeiras (afinal um coquetel é um produto e precisa ter seu custo alinhado com a realidade do negócio), disponibilidade de ingredientes e até onde vai nossa própria criatividade. Mas o principal é ter respeito pela essência das receitas clássicas, inovando com bom senso e sem exageros, criando algo que realmente surpreenda o cliente sem perder o equilíbrio.

BNSIR: Um bom coquetel é como uma boa obra de arte, então ele acaba evocando sensações, memórias e conversas. Você tem um drink autoral que represente isso pra você?

GB: Com certeza! Em 2024, criei um coquetel para um campeonato que traduzia perfeitamente minhas duas grandes paixões: música e mixologia. Batizei o drink de “Concerto”, justamente porque o storytelling fazia uma metáfora entre o processo criativo de um coquetel e o de uma música, ambos exigem estrutura, harmonia e equilíbrio. Contar uma boa história por trás de um drink é o que cria vínculo, gera encantamento e transforma a experiência em algo verdadeiramente memorável. Esse coquetel foi muito especial para mim: me levou à final do campeonato e garantiu o 2º lugar na etapa nacional. Até hoje, ele representa tudo o que eu acredito e sinto como profissional.

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