Em uma coluna contínua, uma psicóloga e uma curadora exploram os vários significados por trás do ato de colecionar, analisando seu significado tanto para indivíduos quanto para a sociedade como um todo
O mundo material é ao mesmo tempo objetivo e imaginário. Contamos com as coisas para nos lembrar da existência de um mundo externo estável, enquanto elas também povoam nosso mundo interno. Na maioria dos casos, o ato de colecionar não é um ato neutro e desapegado. Como objetos inanimados passam a ter apelo emocional, a ponto de despertar desejo e fascínio no colecionador?
Para entender a experiência do colecionador, devemos refletir sobre a questão do valor. Do latim valere, “ter valor”, o conceito de valor em seus significados mais primordiais se refere à importância intrínseca de algo. Hoje, o valor é usado para sinalizar a relevância de algo, sua utilidade ou, conforme o mercado amorfo e universal, seu preço.
Hannah Arendt escreveu que os objetos “têm a função de estabilizar a vida humana… contra a subjetividade de homens e mulheres, as limitações de sua própria mortalidade”. Assim que adquiridos, os objetos são retirados de seu contexto primário, transformados e passam a carregar um valor distinto. Sua nova vida, seja no âmbito da produção ou no ateliê de um artista, é substituída por uma identidade abstrata: pertencer a uma coleção. Mas o que é um objeto sem seu valor subjetivo ou utilitário e que não tenha sido desejado ou excluído? Essas categorias falham em explicar a cegueira, a impossibilidade de separar valor de sistemas ideológicos — uma constatação implícita em qualquer prática social.
O valor é uma questão fascinante e complexa. Marx diferenciou entre os valores de uso e de troca de uma mercadoria e argumentou que o valor frequentemente é manipulado por forças externas. Considerando apenas o valor de uso, um carro, por exemplo, parece muito mais valioso do que uma pintura, não é? Mas será mesmo? Alguns carros com alto valor de troca, especialmente modelos raros e colecionáveis, têm pouco valor de uso, tornando-se quase inutilizáveis por razões regulatórias ou práticas. Como Freud apontaria, o valor não é determinado apenas por cálculos materiais, mas também por motivações inconscientes: os objetos tornam-se mercadorias por meio de processos que envolvem tanto trocas materiais quanto psicológicas.
O conceito de objeto transicional de Donald Winnicott — o cobertor que ajuda uma criança a navegar pelo espaço psicológico entre a dependência dos cuidadores e sua própria independência — demonstra como itens de nossa infância ajudam a construir pontes entre nosso mundo interno e o mundo externo. Para a criança, o objeto transicional transcende sua fisicalidade e adquire um significado emocional. Em fases posteriores da vida, essa forma de se relacionar com objetos pode evoluir para uma devoção às coisas que colecionamos.
Mesmo assim, quem evitaria uma coleção que investe selos com um significado simbólico ou amplifica o poder material da arte, enquanto uma coleção menor pode implicar um investimento emocional em itens mais comuns, como caixas ou utensílios? Aqui, há um espaço nebuloso entre o valor objetivo de mercado e o mundo de fantasia, imaginação coletiva e os contornos da realidade material.
Abraçar objetos inanimados surge, ao menos em parte, de uma busca por estabilidade. Privação precoce, perdas ou eventos traumáticos que afetam a segurança dos relacionamentos podem formar uma ferida psíquica. No desejo de criar um senso de confiabilidade, para compensar a insegurança ou desconfiança no mundo, pode parecer mais seguro se apegar a objetos materiais.
Claro, o desejo de acumular objetos também pode ser um ato de desorganização, incoerência, afastando a razão e reforçando nossos apegos irracionais. Freud referiu-se ao termo “catexia” para se referir ao investimento de energia psíquica em um objeto. Um colecionador torna-se ligado a seus objetos de fascínio. Esse apego se baseia parcialmente em nossa capacidade de transformar coisas em marcadores de nossas experiências e, em outros casos, em nosso desejo de permanecer ligado ao passado.
Devemos concluir, então, que o valor de um objeto reflete seu valor intrínseco — isto é, seu uso ou estética objetiva — ou que, ao contrário, o valor emerge de uma relação subjetiva — valorizado por sua relação com o colecionador e pela ideia de pertencimento a uma coleção?