Estudos da Bain & Company e da WGSN revelam o vigor do luxo no Brasil e as estratégias que moldam o novo consumo de alto padrão no mundo
Em um momento de certa instabilidade global, o mercado de luxo brasileiro emerge como uma força de expansão e reinvenção. Segundo o estudo A nova era de crescimento do mercado de luxo, conduzido pela Bain & Company a pedido do Valor Econômico e da Vogue, o país movimentou R$ 98 bilhões em 2024, crescendo 26% entre 2022 e 2024, uma média anual de 12%, muito acima da taxa global de 3%.
O resultado confirma a consolidação do Brasil como um dos polos mais promissores do hemisfério Sul. Em um ano em que o setor global caiu 1%, o país avançou em todas as frentes, da moda e itens pessoais aos imóveis e automóveis, cada um responsável por R$ 21 bilhões em vendas. O mercado de saúde de alto padrão aparece logo depois, com R$ 17,3 bilhões, seguido de aviação (R$ 6,5 bi), arte e mobiliário (R$ 4,2 bi), hotelaria e experiências (R$ 3,8 bi), iates (R$ 2,1 bi) e bebidas finas (R$ 1 bi).
O setor imobiliário de luxo, com R$ 21 bilhões faturados, se manteve entre os protagonistas do consumo de alto padrão, enquanto automóveis (18%), hotelaria (16%), saúde (15%) e imóveis (13%) registraram as maiores taxas de crescimento anual. A pesquisa também indica um movimento de descentralização regional, com 45% das vendas.
No Nordeste, as vendas de imóveis de luxo cresceram 47% entre o primeiro trimestre de 2023 e o de 2024, impulsionadas pela compra de casas de praia no Ceará e no Rio Grande do Norte. A tendência reflete o desejo de refúgio em paisagens naturais, que também impulsionou o turismo de luxo: o valor médio da diária subiu de R$ 2.100 para R$ 2.900, com 19% de aumento anual e maior presença de estrangeiros, que agora representam 23% das ocupações.
Mas não é apenas o Brasil que se destaca. O relatório O futuro do luxo, divulgado pela WGSN, reforça que o setor passa por uma transformação estrutural em escala global. A previsão é que o mercado de bens de luxo alcance US$ 418,9 bilhões até 2028, guiado por novas gerações de consumidores e por desafios ambientais e tecnológicos que redefinem o valor do luxo contemporâneo.
A WGSN analisa essas mudanças a partir da estrutura STEPIC, que observa sociedade, tecnologia, meio ambiente, política, indústria e criatividade. Entre os principais vetores do futuro do luxo, o relatório destaca seis estratégias centrais para as marcas se manterem relevantes, entre elas:’ atrair consumidores “além do dinheiro”, investir em experiências imersivas e exclusivas, e preservar o artesanato e a autenticidade cultural em um mundo cada vez mais digital.
A sociedade, segundo a análise, caminha para um luxo pautado pela singularidade e pelo pertencimento. O público de alta renda busca vivências únicas, personalizadas, que traduzam valores e identidade, e não apenas poder de compra. Marcas como Bottega Veneta, que criou uma residência VIC em um palácio veneziano, e Gucci, com um salão exclusivo em Londres para peças sob medida, personificam essa tendência. A ideia é clara: o novo luxo é sobre acesso, não sobre acúmulo.
Em paralelo, a criatividade assume papel estratégico na preservação do artesanato e na valorização de talentos locais. A WGSN recomenda que as marcas formem parcerias com artesãos regionais, garantindo remuneração justa e transmissão de saberes. Essa preservação é o que sustenta a autenticidade cultural e o legado emocional das grandes maisons.
Essas transformações se cruzam com o cenário brasileiro, onde o valor simbólico do território, da natureza e da experiência se sobrepõe à ostentação. A procura por imóveis com identidade, conectados ao entorno e à qualidade de vida, reflete a mesma lógica que move as casas de luxo globais rumo à sustentabilidade e à personalização.
O consumidor de alto padrão do Brasil, assim como o das capitais emergentes da Arábia Saudita ou de Cingapura — apontadas pela WGSN como novos centros do luxo global —, quer mais do que status, quer significado, exclusividade e autenticidade.
Unindo os dados da Bain & Company e as projeções da WGSN, o panorama é inequívoco: o mercado de luxo entra em uma nova era, marcada pela expansão geográfica, pela força do consumo jovem e pela integração entre artesanato, tecnologia e experiência humana. O Brasil não apenas acompanha esse movimento, como também o incorpora com vigor próprio, traduzindo o luxo em uma linguagem cada vez mais plural, sensorial e conectada ao futuro.