O Olhar de Viés. O viés do tecido, a diagonal. Aquilo que tangencia. Um olho que esburaca a roupa para que nela se liberte a poesia aprisionada. Desfeita, em farrapos, cada fibra devolve ao olhar sua graça.
Rosane Preciosa
É possível entender a caminhada de homens e imagens ao estudar os têxteis, os símbolos neles presentes, pois servem de mediadores nas esferas religiosas e sociais. A palavra “tecido”, do latim texere, foi amplamente utilizada pelos romanos para designar o ato de construir, trançar e enredar. Escreve Carol Garcia, em seu livro Imagens Errantes, que graças a essas múltiplas interpretações o termo foi empregado para todo e qualquer invólucro capaz de expressar e estender a presença humana no mundo: de cabanas a cestas, de tapetes a véus.
Portanto, chamo aqui a atenção para uma exposição coletiva, Avesso Viés, em São Paulo, que apresenta obras que elegem como matéria prima “os têxteis”, em suas mais diversas possibilidades, sendo os artistas de diferentes gerações. Há uma obra de Lucio Fontana (1899-1968), que em meados do século XX, desafia as limitações e o poder da tela do artista enquanto suporte. Ele corta “em viés” a tela, afirmando que representava a arte aproximando-se da ciência e da tecnologia. Suas telas fendidas têm o título Conceito Espacial.
Nelson Leirner, Eu e Fontana, 1999, lona e zíper, 188 x 127 cm.
Nelson Leirner (n.1932) também participa com um trabalho que retoma a série de múltiplos que já havia feito em 1967, peças Homenagem a Fontana, mas transforma o gesto romântico de rasgar o plano pictórico, tornado “marca” do pintor ítalo-argentino Fontana, em um gesto mecânico sobre lona e mediado por um zíper.
Daniel Albuquerque, Língua, 2013, bordado, 5cm.
Dos mais jovens destaco Daniel Albuquerque, que vive e trabalha no Rio de Janeiro. Ele discute a tridimensionalidade e, em sua recente pesquisa, apropria-se de técnicas de artesanato, tais como bordado e tricô. Já Jessica Mein, apesar de ter nascido em São Paulo, vive e trabalha em Buenos Aires. Ela já expôs em Nova York, em 2011, e nesta mostra participa com alguns trabalhos da série Desborde.
Jessica Mein, Desborde nove, 2017, cânhamo, carbono, madeira e cola acrílica, 125 x 21,5 x 18,5cm.
Frank Ammerlaan, Daniel Senise, Marina Weffort, André Azevedo, Tonico Lemos Auad, Jarbas Lopes, Janina Mcquoid e Yuli Yamagata também participam e as obras têm em comum o caráter temporal da tessitura e a possibilidade de interrupção. Escreve o curador Paulo Miyada que “a força dessa ancestral relação simbólica entre tessitura e temporalidade é tal que segue vigente até hoje, após inúmeras revoluções técnicas e tecnológicas. O que torna essa ideia complexa, porém, é a relação da sociedade contemporânea com a própria noção de duração”.
Serviço
Avesso Viés
Local: SIM Galeria. Rua Sarandi 113 – A, Jardins – SP.
Data: 09/06 a 21/07
Segunda a sexta-feira, das 10h às 19h. Sábado das 10h às 15h. Fecha aos domingos e feriados. (11 ) 3062-898
Foto de destaque: Lucio Fontana, Concetto Spaziale, Attese, 1960, aquarela s/tela, 40,5 x 38cm.
Elisabeth Leone – Prof. Dra Comunicação e Semiótica
@elisabethleone